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Mostrando postagens de 2023

O projeto de arcabouço fiscal do governo Lula

A partir de 2020, seis emendas constitucionais (EC) autorizaram o governo federal a realizar despesas fora dos limites do regime fiscal – teto de gastos – estabelecido pela EC nº 95, de 2016. Num cálculo rápido, os valores autorizados somaram R$ 245 bilhões e 200 milhões a serem utilizados nos exercícios de 2020 a 2023. Nas postagens anteriores feitas aqui, foram indicadas as finalidades dos gastos compreendendo, principalmente, o enfrentamento dos efeitos da pandemia mediante: auxílios às famílias vulneráveis, o programa de vacinação e transferências aos entes locais e à categorias profissionais como caminhoneiros e taxistas. O último valor – R$ 145 bilhões – entretanto, foi autorizado sem clareza na destinação, pois esse montante é muito superior ao necessário para o financiamento do Auxílio Brasil. Outra medida tomada nesse período terá reflexo fiscal nos exercícios futuros pois posterga o pagamento de precatórios (encargos obrigatórios decorrentes de decisões judiciais definitiva

Arcabouço fiscal e a Emenda da transição

No Congresso, a PEC nº 32, descrita de maneira resumida no post anterior, passou a ser vista como um “cheque em branco” por não estabelecer limite para as despesas do Auxílio Brasil que, no período de 2023 a 2026, ficariam fora do teto de gastos, da meta de resultado primário e da observância da “regra de ouro”.        Rapidamente apreciada, a PEC foi bastante alterada e resultou na Emenda Constitucional nº 126, promulgada em 21-12-2022. No dispositivo de maior impacto fiscal e que corrigiu a lacuna da proposta original, a Emenda autoriza o acréscimo, no exercício de 2023, de R$ 145 bilhões ao limite estabelecido no teto de gastos, sendo que as despesas decorrentes do aumento ficam ressalvadas da meta de resultado primário e da “regra de ouro”.        O capital político que resultou da eleição e o consequente apoio no Congresso permitiu ao governo eleito obter um valor fora do teto de gastos – R$ 145 bilhões – bem além dos valores necessários para o pagamento do Auxílio Brasil, ou

Arcabouço fiscal e a PEC da transição

No ano de 2022, especialmente no segundo semestre, as instituições públicas funcionaram tendo como pano de fundo as eleições para presidência da república e governadores, para uma vaga de senador por estado e para todas as vagas na Câmara Federal e nas assembleias legislativas estaduais.        Durante a campanha eleitoral, os principais candidatos quase sempre trataram os problemas fiscais do país sem a profundidade necessária. O tema seria árido ou complexo demais para atrair o interesse do eleitor; essa parecia ser a justificativa para que questão tão importante fosse abordada de maneira quase sempre superficial.        Num assunto de importante impacto fiscal, os dois candidatos a presidente da República mais bem colocados nas pesquisas – Lula e Bolsonaro – concordavam: a concessão do auxílio de R$ 600,00 reais mensais às famílias vulneráveis. Esse montante era superior aos valores até então distribuídos nos vários programas de auxílio e, portanto, havia o reconhecimento de que

Arcabouço fiscal e programas sociais de transferência de renda – 2

Assim como nos anos de eleições nacionais, 2022 foi palco de muitas articulações políticas, promessas e medidas que não esconderam interesse eleitoral. Em 14 de julho, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 123 com respostas do governo a questões que impactavam a população e com reflexos esperados nas eleições ao final do ano.        Afora disposições visando a redução de tributos sobre combustíveis, a Emenda tratou de garantir auxílios às famílias vulneráveis e, também, a certas categorias profissionais. Os auxílios, beneficiários e montantes foram os seguintes: extensão do programa Auxílio Brasil às famílias elegíveis na data de promulgação da Emenda na forma de acréscimo mensal extraordinário, durante cinco meses, de R$ 200 reais, até o limite de R$ 26 bilhões de reais; auxílio-gás correspondente a uma parcela extraordinária adicional de 50% da média do preço nacional de referência do botijão de 13 kg de GLP, nos seis meses anteriores, até o limite de R$ 1 bilhão e 50 milhões

Arcabouço fiscal e programas sociais de transferência de renda - 1

No Brasil, as políticas sociais de apoio às pessoas mais vulneráveis contam com marco legal sólido na Constituição de 1988 (Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo II, da Seguridade Social e Seção IV Da Assistência Social. Exemplo de política social de enorme importância, criada pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742, de 7-12-1983) é o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que garante um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com sessenta e cinco anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.         Cristóvão Buarque, quando governador do Distrito Federal (1995/1999), propôs que o governo federal implantasse a Bolsa-Escola, auxílio que comprometia a família assistida com resultados na educação dos filhos. A Bolsa-Escola acabou sendo adotada em 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), juntamente com outras iniciativas como o Auxílio-Gás e o Cartão-Alimentação. I

Arcabouço fiscal, inflação e teto de gastos e precatórios

O ano de 2021 encerrou com a Constituição estabelecendo que “Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda...”(Emenda Constitucional nº 114, de 2021). Num contexto de teto de gastos, encontrar recursos para financiar transferência de renda passava a ser grande desafio. Soluções foram postas em prática. A Emenda Constitucional nº 113 aumentou o teto de gastos ao estabelecer que o limite referente a determinado exercício seria corrigido pelo índice (IPCA) apurado no exercício anterior ao da lei orçamentária (LOA). Anteriormente, a correção aplicava-se ao período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se referia a LOA. Incorporar a inflação de seis meses ajudava a aumentar o limite do teto de gastos        Para o exercício de 2021, o eventual aumento ficou restrito a R$ 15 bilhões de reais destinados exclusivamente ao atendimento de desp

Arcabouço fiscal: o que é? – 7

As últimas postagens apresentadas aqui sob o título “Arcabouço fiscal: o que é?” têm o objetivo de informar o leitor sobre aspectos da política fiscal recente cumprida pelo governo federal a partir da adoção do chamado “teto de gastos”. As graves consequências sociais da pandemia da Covid-19 determinaram a criação de um auxílio emergencial no montante de R$ 41 bilhões de reais a ser distribuído, no exercício de 2021, às pessoas em situação de vulnerabilidade. A Emenda Constitucional nº 109 autorizou aquele valor acima do “teto de gastos” e indicou operações de crédito como fonte de financiamento.        Também em 2021 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 113, estabelecendo que o eventual aumento dos limites de despesas, conforme as regras do teto de gastos, ficava restrito no exercício ao montante de até R$ 15 bilhões de reais a ser destinado exclusivamente ao atendimento de despesas de vacinação contra a Covid-19 ou relacionadas a ações emergenciais e temporárias de caráter socio

Arcabouço fiscal: o que é? – 6

As dificuldades para cumprir o teto de gastos eram reconhecidas mesmo antes da pandemia do Covid-19. Em novembro de 2019, 34 senadores assinaram a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 186 cujo objetivo principal era conter o crescimento das despesas obrigatórias, dentre elas, principalmente, as despesas de pessoal. A concessão de benefícios tributários, financeiros e creditício seria, também, objeto de disciplinamento.        A PEC utiliza a observância da Regra de Ouro como gatilho para uma série de medidas restritivas e proibições na área de pessoal. Igualmente, vedações alcançam: (i) as despesas obrigatórias; (ii) a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento; (iii) a remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções; e (iv) a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.        Como se sabe, a Regra de Ouro está formalizada no inciso III, do art. 167, da Constitu

Arcabouço fiscal: o que é? – 5

O Novo Regime Fiscal, mais bem conhecido por “Teto de Gastos”, tem na simplicidade o seu maior mérito. Num novo exercício, as despesas primárias devem corresponder ao valor realizado no ano anterior corrigido pela inflação. O objetivo é evitar que as despesas governamentais cresçam em termos reais, produzindo déficits primários e aumentado o endividamento. Por outro lado, ocorrendo crescimento real das receitas, os déficits seriam evitados e a consequente redução do endividamento contribuiria para a diminuição das taxas de juros favorecendo o crescimento da economia.        No orçamento federal, estima-se que cerca de 93% das despesas primárias são de execução obrigatória. Grande proporção delas crescem como consequência de disposições legais, constituindo ameaça permanente ao cumprimento do teto de gastos. Normalmente, despesas discricionárias poderiam ser sacrificadas para compensar o crescimento das despesas obrigatórios. Resulta que, além de poucas, a maior parte das despesas dis

Arcabouço fiscal: o que é? – 4

Em 12 de maio de 2016, o Senado Federal aprovou o afastamento da presidente Dilma Roussef como parte do processo de impeachment . O vice-presidente Michel Temer assumiu e um mês depois, em 15 de junho, encaminhou Proposta de Emenda Constitucional (PEC) à Câmara dos Deputados estabelecendo medidas de enfrentamento do descontrole fiscal. Os déficits orçamentários foram considerados como parte importante da crise econômica representada na queda do PIB durante onze trimestres, entre 2014 e 2016. Por folgada maioria – 366 votos no primeiro turno e 359 no segundo – a PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados em 26 de outubro de 2016.   O Senado Federal, também com folga – 53 votos no primeiro turno e 61 no segundo – aprovou a matéria, promulgada, em15 de dezembro de 2016, como a Emenda Constitucional nº 95. Oficialmente, a emenda instituiu “novo regime fiscal” baseado no estabelecimento de limites para as despesas orçamentárias, o que a tornou conhecida como a emenda do “teto de gastos”.

Arcabouço fiscal: o que é? – 3

Nos anos finais do Século XX e iniciais do Século XXI, a consolidação da nova moeda – o Real – beneficiou-se da adoção de importantes medidas. Exemplos: a intensificação do processo de desestatização, a reforma da previdência, a federalização das dívidas estaduais e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 1999, o governo adota um conjunto de três medidas que passam a reger a política macroeconômica: câmbio flutuante, meta de inflação e meta fiscal, representada por superávits primários.                Importante exportador de commodities (matérias primas, como alimentos e minérios), o Brasil se beneficia com a elevação dos preços desses produtos. Foi o que aconteceu no período entre os anos de 2000 e 2014. Além dos benefícios para os agentes econômicos, as reservas aumentaram e políticas sociais foram implementadas sem a necessidade de aumento da carga tributária.        Em junho de 2013, ocorrerem grandes demonstrações de insatisfação em inúmeras cidades brasileiras. A

Arcabouço fiscal: o que é? – 2

No Brasil, as altas taxas de inflação do período final do Século XX tornava impossível a correta apuração das contas públicas, em especial, do déficit orçamentário e do endividamento . Até a entrada em vigor da Constituição de 1988, muitas operações ligadas a gestão da dívida não apareciam no orçamento geral e eram tratadas no orçamento monetário, documento não apreciado pelo Congresso Nacional. Pelo mecanismo da correção monetária, o governo federal protegia a sua receita mediante o “imposto inflacionário” e escondia o resultado orçamentário e a real situação das contas.        A inflação, que era essencialmente inercial, foi enfrentada com a adoção de unidade provisória de moeda – a URV (Unidade Real de Valor) – em 1º de março de 1994 e sua substituição, em 1º de julho de 1994, pela nova moeda, o Real. Iniciava-se, assim, um período sem inflação o que permitiu o conhecimento mais preciso da situação das contas públicas. No campo fiscal, passaram a ser perseguidas metas de superávi

Arcabouço fiscal: o que é? – 1

  A expressão arcabouço fiscal , empregada por integrantes do grupo que preparou a transição de governo, tem sido repetida por autoridades que assumiram a gestão econômica em primeiro de janeiro. Qual é o significado dessa expressão, começando pelo termo fiscal . Em economia, a questão fiscal envolve quatro componentes das finanças públicas: receita , despesa , resultado (que pode ser equilíbrio, superávit e, quase sempre, déficit ) e, como consequência do déficit , a dívida . Em praticamente todos os países, a receita orçamentária de caráter ordinário, constituída pelos tributos e por outras formas de imposição, é insuficiente para fazer frente aos encargos da economia pública. Receita menor que despesa significa déficit e como solução recorre-se ao crédito público, ou seja, a fontes variadas de financiamento, em especial, a tomada de empréstimos de curto, médio e longo prazos. Dessa forma, constitui-se a dívida pública , cuja efetiva liquidação dependeria da ocorrência de super