Arcabouço fiscal: o que é? – 2
No Brasil, as altas taxas de inflação do período final do Século XX tornava
impossível a correta apuração das contas públicas, em especial, do déficit
orçamentário e do endividamento. Até a entrada em vigor da
Constituição de 1988, muitas operações ligadas a gestão da dívida não apareciam
no orçamento geral e eram tratadas no orçamento monetário, documento não
apreciado pelo Congresso Nacional. Pelo mecanismo da correção monetária, o
governo federal protegia a sua receita mediante o “imposto inflacionário” e
escondia o resultado orçamentário e a real situação das contas.
A inflação, que era
essencialmente inercial, foi enfrentada com a adoção de unidade provisória de
moeda – a URV (Unidade Real de Valor) – em 1º de março de 1994 e sua
substituição, em 1º de julho de 1994, pela nova moeda, o Real. Iniciava-se,
assim, um período sem inflação o que permitiu o conhecimento mais preciso da
situação das contas públicas. No campo fiscal, passaram a ser perseguidas metas
de superávit primário, ensejando o controle do crescimento da dívida.
O resultado primário
é obtido com a retirada, no cálculo entre receitas e despesas, dos encargos
financeiros, em especial, os juros pagos. Nessa apuração deixa-se de lado o
pagamento da dívida, pois esta é sempre refinanciada, ou seja, no vencimento,
cada dívida é substituída por outra.
A partir de 1997 até 2013, em todos os exercícios, o
Tesouro Nacional obteve superávits primários. Apesar de importantes,
esses resultados não eram suficientes para atender integralmente o montante de
juros nominais pagos e, assim, nos sete exercícios daquele período ocorreram déficits
nominais.
Nos oito exercícios seguintes, de 2014 a 2021, déficits
primários passaram a ser a realidade, com destaque para o déficit de
9,8% do PIB em 2020, ano em que o país sentiu com mais intensidade os efeitos
da pandemia da Covid-19. Em 2022, o que pode ser um bom sinal, o Tesouro
Nacional computou superávit primário de 0,5% do PIB.
O que acontece com a dívida pública frente a
situações de superávit ou de déficit primário?
Superávit – a dívida
crescerá por incorporar a parcela dos juros pagos não cobertos pelo montante do
superávit primário.
Déficit – a dívida
crescerá por incorporar todos os juros pagos mais o montante do déficit
primário.
No Brasil, qualquer política
fiscal é insustentável com déficits primários sistemáticos, face às
altas taxas de juros pagos no refinanciamento da dívida pública. A realidade é
diferente nos países que praticam juros reais negativos ou próximos de zero. Neles,
são baixos os custos de manutenção da dívida, mesmo quando necessário
incorporar novos déficits orçamentários.
Comparar o estoque da dívida pública brasileira (menor) com a de outros países (maior ou bem maior) é um exercício equivocado. O que importa é a diferença entre os juros reais praticados para manter a dívida, que são bem maiores no caso brasileiro e menores ou bem menores em outros países.
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