Poder legislativo, orçamento e emendas individuais - 2

        

        Grande parte das despesas autorizadas nos orçamentos públicos são de execução obrigatória, como decorrência da legislação ordinária que cria essas despesas. A pequena parte restante – despesa discricionária – está amparada em autorizações na lei orçamentária, podendo ser ou não executada no decorrer do exercício.

       As emendas que acrescem recursos à projetos e ações de caráter obrigatório serão naturalmente executadas. Por outro lado, por não estarem amparadas em lei ordinária, as demais emendas aprovadas autorizam, por definição, despesas discricionárias. Como, neste caso, as despesas passam a ser de execução obrigatória?

       Essa transformação tem origem em episódios que ocorreram nos Estados Unidos na década de 1970. Incomodados com a prática do governo Richard Nixon em segurar a liberação de recursos, em 1974, os congressistas aprovaram lei limitando o controle do Presidente sobre a execução do orçamento. O Impoundment Control Act (ICA) estabelece um mecanismo muito importante para o que está sendo tratado aqui. Trata-se do rescission, termo que pode ser traduzido por rescisão ou anulação. Caso julgue não ser necessária ou não pretenda realizar uma despesa discricionária, o governo deverá obter a concordância de uma das casas legislativas (Câmara ou Senado) para o seu cancelamento ou anulação; sem essa aprovação, os recursos necessário à execução da despesa deverão ser liberados.

       Visto com interesse no âmbito do Congresso brasileiro, esse mecanismo, com adaptações, passou a constar de projetos de lei complementar ainda no final da década de 1990. Esforço mais efetivo de introdução do mecanismo de anulação de créditos na norma brasileira deu-se com a PEC nº 22, de 2000. Aprovada no Senado Federal em 2006, a matéria não avançava na Câmara dos Deputados devido às resistências do governo que, obviamente, não tinha o menor interesse na nova regra.

       Para obter o apoio dos deputados e, com isso, superar as pressões contrárias do poder executivo, as lideranças da Câmara dos Deputados transferiram o foco da PEC para as emendas individuais. Assim, em vez de todas as despesas discricionárias estarem sujeitas ao mecanismo da anulação, apenas as despesas criadas por emendas individuais passaram a ser de execução obrigatória, podendo deixar de sê-lo no caso de impedimento de ordem técnica.

Duas Emendas Constitucionais – 86, de 2015, e 100, de 2019 –, foram necessárias para aprovar o que na oportunidade foi denominado de “orçamento impositivo”, termo impróprio já que a mudança se referia apenas às emendas individuais.

O próximo post detalha como são tratadas as dificuldades técnicas e legais para que despesas tipicamente discricionárias passem a ser de execução obrigatória. Outras leis deverão assumir papel regulador e nova Emenda Constitucional acabou sendo necessária.

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